BRASÍLIA — O presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), Joaquim Barbosa, criticou duramente a atuação do Congresso Nacional
nesta segunda-feira, em palestra dada a estudantes de Direito de uma faculdade
privada em Brasília. Segundo o ministro, o Congresso é dominado pelo Executivo
e se notabiliza por sua ineficiência e incapacidade de deliberar. Afirmou ainda
que os partidos no Brasil são de mentirinha, sem preocupação programática, e
que seus líderes querem apenas o poder pelo poder.
Disse também que a Câmara é
composta em grande parte por parlamentares que não representam a população.
Horas depois, o ministro divulgou nota dizendo que não teve intenção de
criticar o Parlamento.
— O problema crucial brasileiro, a debilidade mais
grave do Congresso brasileiro é que ele é inteiramente dominado pelo Poder
Executivo. O Congresso não foi criado para única e exclusivamente deliberar
sobre o poder executivo. Cabe a ele a iniciativa da lei. Temos um órgão de
representação que não exerce em sua plenitude o poder que a Constituição lhe
atribui, que é o poder de legislar — disse ele, lembrando que a maioria das
leis aprovadas são de autoria do Executivo.
O ministro também foi duro com os
partidos:
— Outro problema é a questão
partidária. Nós temos partidos de mentirinha. Nós não nos identificamos com os
partidos que nos representam no Congresso, a não ser em casos excepcionais. Eu
diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e
programática em nenhum dos partidos. E nem pouco seus partidos e os seus
líderes partidários têm interesse em ter consistência programática ou
ideológica. Querem o poder pelo poder. Esta é uma das grandes deficiências, a
razão pela qual o Congresso brasileiro se notabiliza pela sua ineficiência,
pela sua incapacidade de deliberar. Ora, poder que não é exercido é poder que é
tomado, exercido por outrem, e em grande parte no Brasil esse poder é exercido
pelo Executivo — disse Barbosa.
Para o ministro, um dos problemas da
representação política brasileira é o sistema proporcional usado para eleger os
deputados. Por esse sistema, os votos de todos os candidatos de um partido ou
coligação são somados. A partir daí, calcula-se a quantidade de vagas que esse
partido ou coligação tem direito. Assim, um candidato bem votado ajuda a eleger
outros. E mesmo os votos dos que não são eleitos entram nessa conta e também
ajudam o partido a conquistar mais cadeiras na Câmara. Para o ministro, esse
sistema — em que o eleitor escolhe um candidato, mas contribui para a eleição
de outro — faz com que a população não se sinta representada. A solução seria a
adoção do sistema distrital, dividindo o país em vários distritos. Cada
distrito elegeria apenas o candidato mais votado.
— O poder legislativo, especialmente a
Câmara dos Deputados, é composto em grande parte por representantes pelos quais
não nos sentimos representados, por causa do sistema eleitoral que não
contribui para que tenhamos uma representação clara, legítima. Passados dois
anos da eleição ninguém sabe mais em quem votou. Isso vem do sistema
proporcional. A solução seria a adoção do voto distrital para a Câmara dos
Deputados.
Para o ministro, o sistema distrital
traria mais qualidade ao Parlamento.
— O sistema distrital permitiria uma
qualificação do Congresso Nacional. Hoje temos um Congresso dividido em
interesses setorizados Há uma bancada evangélica, uma do setor agrário, outra
dos bancos. Mas as pessoas não sabem isso, porque essa representatividade não é
clara — criticou o presidente do STF.
Segundo o ministro, o Congresso não
cumpre o papel de fazer a reforma do sistema político.
— Não cabe ao STF por decisões
judiciais individuais reformar o sistema político. Esta é uma atribuição magna
do Congresso Nacional, que infelizmente vem sendo postergada —disse o ministro.
Não foi apenas a Câmara que mereceu
críticas do ministro. Ele também foi duro com o Senado Federal, dando como
exemplo a votação da medida provisória (MP) dos portos. Na semana passada, após
longos debates na Câmara, o Senado levou poucas horas para apreciar a matéria.
— Os excessos da Câmara dos Deputados
podem ser controlados pelo Senado Federal. Ou seja, o Senado Federal, como é um
órgão composto por pessoas mais idosas, experientes, em geral ex-governadores,
poderia controlar, conter os excessos e saliências da Câmara dos Deputados. Mas
olha, nós tivemos na semana passada um contraexemplo disso. Uma medida
provisória de extrema urgência. Teve seu tempo de exame de deliberação esgotado
na Câmara até o último dia. E o Senado só teve algumas horas para se debruçar
sobre aquele o texto. Daí se vê a dificuldade de configuração desse controle do
Senado sobre a Câmara dos Deputados na nossa experiência — afirmou Barbosa.
À tarde, horas depois da palestra,
Joaquim Barbosa soltou nota no site do STF, dizendo que deu aula de direito
constitucional “na condição de acadêmico e professor”. Segundo o ministro, ele
se valeu da liberdade de ensinar para expor sua visão acadêmica sobre o sistema
político do país e estimular o desenvolvimento do senso crítico dos jovens, mas
não teve intenção de criticar o Legislativo.
“A fala do presidente do STF foi um
exercício intelectual feito em um ambiente acadêmico e teve como objetivo
traçar um panorama das atividades dos Três Poderes da República ao longo da
nossa história republicana. Não houve a intenção de criticar ou emitir juízo de
valor a respeito da atuação do Legislativo e de seus atuais integrantes”, diz a
nota.
Na palestra, o ministro também voltou a
criticar a proposta de emenda constitucional (PEC) 33, que tramita no
Congresso. A proposta dá ao Parlamento a palavra final sobre algumas decisões
do STF, como a de declarar a inconstitucionalidade de emendas à Carta Magna.
Para o ministro, a PEC não é um meio legítimo de exercer o sistema de pesos e
contrapesos, em que um poder controla os excessos do outro.
— Evidentemente que não são meios de
consolidar o sistema de freios e contrapesos. São sim reações á decisões do
STF. Se levadas adiante essas tentativas, nós teríamos destruído a Constituição
brasileira, todo mecanismo de controle de constitucional que o Supremo exerce
sobre as leis. Significaria o fim da Constituição de 88. Eliminaria o controle
judicial — disse o ministro.
O evento tinha como tema “O marco
regulatório dos grandes eventos esportivos – Copa do Mundo FIFA 2014, Copa das
Confederações FIFA 2013, Jogos Olímpicos e Paraolímpicos”. A palestra de
Barbosa deveria tratar de “Direito Constitucional e Esportes”, mas em nenhum
momento o ministro abordou o assunto. Ele falou basicamente do sistema
presidencialista e do federalismo do Brasil.
Ao contrário de Joaquim Barbosa, o
senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que também estava presente no evento,
defendeu o sistema proporcional. Para ele, o melhor seria eliminar algumas
distorções, como a existência de coligações entres os partidos, mas não
substituir o sistema atual pelo distrital. Rollemberg lembrou que, no sistema
distrital, as minorias costumam ficar sub-representadas. O senador não citou,
mas países com voto distrital tendem a ter poucos partidos importantes, uma vez
que os votos acabam se concentrando apenas em alguns.
- O Congresso Nacional, com pequenas
distorções, é a representação da sociedade brasileira. Quem elegeu os deputados
que estão lá é o conjunto da sociedade brasileira. Claro, temos algumas
distorções em função da legislação, das coligações. Mas no grosso, aquilo
representa o Brasil em toda a sua diversidade, em todas as suas qualidades e
seus defeitos – disse Rollemberg.
A reitora do Instituto de Educação
Superior de Brasília (Iesb), onde ocorreu o evento, chegou a defender o fim do
voto dos analfabetos. Ela contou uma história ocorrida na eleição presidencial
em 1989, que, entre outros, teve como candidatos Fernando Collor e Mário Covas.
Joaquim Barbosa e Rodrigo Rollemberg discordaram dela.
- Eu acho que o voto deveria ser
voluntário e não obrigatório. E não deveria deixar pessoas analfabetas
funcionais votarem. Eu tenho experiência de já ter pedido a uma pessoa de quem
eu gosto muito, uma pessoa muito humilde, que mal sabe escrever o nome dela. Eu
pedi para ela na eleição do Covas: “a senhora vota para o Covas, que Covas vai
ser bom para o país”. Fiz um discurso e ela disse que ia votar no Covas. Passou
a eleição, eu falei “como foi, votou a para que candidato?” Ela disse: “Aquele
que a senhora mandou”. Eu falei: “Qual foi?” Ela: “O Collor” – disse a reitora
Eda Machado.
Fonte: Globo.com
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